sábado, 30 de março de 2013

A investigação sobre a eficácia pedagógica no ensino do desporto



A investigação sobre a eficácia pedagógica no ensino do desporto/Research on pedagogic effectiveness in sport teaching - Pereira, F., Mesquita, I., Graça, A.
Revista da Educação Física, 2010



O recurso ao questionamento em detrimento da prescrição pelo professor/treinador e a concessão de espaço aos praticantes para decidir e regular as tarefas de aprendizagem marcam claramente a transição da apologia do recurso de estratégias instrucionais diretivas, ou seja explícitas, para estratégias cada vez menos diretivas, isto é, de caráter mais implícito.

A adoção de estilos de comunicação optimizadores da criação de ambientes positivos de aprendizagem tem sido alvo de interesse para a investigação, com denúncia à relevância conferida à adoção de comportamentos pedagógicos que enaltecem o elogio da participação na prática em detrimento de comportamentos punitivos.

Feedback
Os professores mais eficazes emitiam mais Feedbacks Pedagógicos Específicos, corretivos e congruentes com a tarefa de aprendizagem. (Werner; Rink, 1989)
Tradicionalmente, os professores/treinadores emitem grandes quantidades de Feedback Pedagógico, na crença de que quanto mais, melhor, embora a investigação aponte que a quantidade de Feedback Pedagógico emitida está dependente de diferentes aspetos, entre os quais se destacam os objetivos da aprendizagem, a fase de aprendizagem dos praticantes e a complexidade das tarefas (Williams; Hodges, 2005)

4 dimensões: “Quando” (momento de emissão da informação, “Como” (forma como é transmitida), “Quem” (destinatário) e “o Quê” (conteúdo substantivo).

Em particular no âmbito dos jogos desportivos assiste-se ao rejuvenescimento do Teaching Games for Understanding (TGfU). Todos estes modelos têm em comum o facto de o praticante ser colocado como elemento central na configuração do processo de ensino-aprendizagem (Gréhaigne; Godbout, 1995, Mesquita; Graça, 2002), em que lhe é concedido espaço de problematização e o favorecimento da emergência da autonomia decisional (Souza; Oslin, 2008) a partir do recurso a abordagens instrucionais de caráter holístico (Rovegno, 1995, Mesquita; Graça; Gomes; Cruz, 2005). Neste âmbito, o ensino deixa de ser explícito e autocrático e baseado em estratégias instrucionais diretivas e formais, para se pautar por ser mais implícito e democrático, com recurso a estratégias menos diretivas. (Allison; Barrett, 2000; Chandler; Mittchell, 1991; Putnam; Lampert; Peterson, 1990; Turner; Martinek, 1995).
Dada a natureza mais flexível e adaptativa destas novas abordagens, emerge como relevante o recurso a estratégias instrucionais que apelem à implicação cognitiva dos praticantes na resolução dos problemas correntes da prática. Uma das estratégias instrucionais que têm surgido de forma mais apelativa é o questionamento, enquanto meio promotor da liberdade processual na interpretação e na busca de soluções (Cross, 2000), incutindo nos praticantes atitudes pró-ativas em detrimento das reativas (Mesquita, 2005). Chambers e Vickers (2006) destacam o questionamento como uma ferramenta didática particularmente útil para encorajar o praticante a explorar diferentes soluções e a desenvolver a consciência tática, possibilitando, paralelamente, o desenvolvimento de um relacionamento afetivo positivo entre o treinador e os praticantes. Coloca os praticantes em situação de escolha, além de fomentar o aumento gradual da partilha e da responsabilidade individual e do grupo (Rosado; Mesquita, 2009).
Diferentes pesquisas têm referido que o comportamento do treinador, sobretudo com jovens praticantes, é decisivo no desenvolvimento da relação interpessoal e da promoção da autoestima (Black; Weiss, 1992; Smith; Smoll, 1984);
Smith e Smoll (1984) referem que os treinadores devem enfatizar uma abordagem positiva, focando sobretudo o reforço e o encorajamento dos comportamentos desejáveis.
De facto, a implementação de um clima positivo no treino possibilita o incremento da sua qualidade, enquanto a utilização excessiva de reprimendas poderá resultar no declínio da recetividade dos praticantes às propostas do treinador (Potrac; Jones; Cushion, 2007).
Mesquita (2004) refere que a atitude do treinador em face dos erros dos praticantes é determinante na relação que o praticante estabelece com a modalidade. Para tal, o erro deve ser considerado como meio de rever a própria aprendizagem, ou seja, a busca da compreensão do erro cometido, e não como meio de punição. Esta perspetiva encontra eco nos modelos de ensino emergentes, os quais valorizam o papel ativo dos praticantes na compreensão dos problemas oriundos da prática aprendizagem. (Mesquita; Graça, 2002).
De facto, comportamentos que evidenciem o que de “bom” o praticante alcança ou que importa alcançar (elogio, encorajamento, incentivo) opõem-se a comportamentos que enfatizam o que de errado foi realizado (reprimenda/punição) e refletem perfis de intervenção pedagógica diferenciados.

É cada vez mais exigido aos praticantes, a adoção de uma atitude autónoma, responsável e comprometida com aquilo em que se envolvem, sendo-lhes exigida uma atitude mais prospetiva do que reativa. (Rosado; Mesquita, 2009). A necessidade de responsabilizar os praticantes nas tarefas de treino, no sentido de lhes conferir autonomia crescente e de propiciar condições favoráveis à aprendizagem, tem sido uma das temáticas mais em evidência na agenda da investigação. 




Com clarividência denota-se uma mudança de paradigma, a qual reflete a transição da apologia do recurso de estratégias instrucionais diretivas, centradas no professor/treinador, para estratégias cada vez menos diretivas, nas quais o comportamento deliberado e proactivo dos praticantes constitui a mola da edificação da estruturação dos ambientes situacionais de prática desportiva.
 

Os efeitos da fadiga no processo de tomada de decisão em tarefas desportivas



Os efeitos da fadiga no processo de tomada de decisão em tarefas desportivas - Araújo, D., & Esteves, P.
Laboratório de Psicologia do Desporto; Faculdade de Motricidade Humana; Universidade Técnica de Lisboa


Tomar decisões é orientar mudanças ao longo de um curso de interação com o contexto, visando um objetivo. Estas mudanças no curso de ação podem ter origem predominantemente no indivíduo (força muscular, intenção) ou no contexto (as linhas de jogo), mas resulta sempre da interação entre jogador e contexto (Araújo, 2005).

Daqui pode-se depreender que o comportamento decisional ao longo do jogo, não só incorpora a atualização do estado do contexto de jogo, como também do estado em que se encontra o indivíduo. Um dos aspetos do jogador que se altera com o decorrer do jogo é o nível de fadiga.
Nos desportos coletivos com bola assume-se a influência da fadiga quando se constata uma deterioração na produção de trabalho à medida que se aproxima o final do jogo. Esta inferência provém de estudos que compararam a distância percorrida entre a primeira e a segunda parte de jogos de futebol. Por exemplo, Bansgbo et al. (1991) relatam que a distância percorrida na 1ª parte de um jogo de futebol é 5% maior que na 2ª parte.
Todavia, o facto de se percorrer uma menor distância não implica necessariamente uma menor eficácia do desempenho.

O comportamento decisional enquanto sistema de ação:

Reed (1982, 1996) opôs-se à ideia do comportamento ser concebido como uma resposta mecânica a um estímulo. Pelo contrário, ele defendeu que o comportamento não é intrinsecamente mecânico, mas intrinsecamente funcional. As mesmas relações funcionais são realizáveis de múltiplas formas.

Um indivíduo pode, regra geral, estabelecer as mesmas relações funcionais com o seu ambiente de diversas maneiras, implicando para isso diferentes estruturas anatómicas. Este fenómeno é descrito como equivalência motora. Por exemplo, um jogador de futebol pode marcar um golo com um ou outro pé, com a cabeça ou com o peito.

Então, mas como podemos conceber o modo como o comportamento decisional orientado para atingir um objetivo é influenciado na fadiga?
Efeitos do exercício nos processos cognitivos
Parece contra-intuitivo os estudos de laboratório apontarem no sentido inverso aos inúmeros casos relatados sobre o decréscimo do desempenho do trabalhador, em que a razão é atribuída à fadiga. Porém, as extensas revisões dos referidos autores apontam para que cargas agudas de exercício facilitem seletivamente múltiplos processos cognitivos: o exercício pode melhorar a velocidade de resposta e a exatidão da resposta, pode facilitar os processos cognitivos envolvidos na resolução de problemas, bem como a “goal-oriented action” (Tomporowski, 2003). Em termos do tipo de esforço, vários estudos demonstram melhorias no desempenho cognitivo dos participantes durante e após períodos de exercício aeróbio realizado em intensidades moderadas. Exercício anaeróbio intenso não diminui o funcionamento cognitivo, exceto quando um indivíduo entra em desidratação ou vai para além de um estado de extrema depleção da energia armazenada. 



Como é que isto pode ser explicado?
Vários autores (Arcelin, 1998; Tomporowski, 2003), defendem que quando um indivíduo está empenhado em atingir um objetivo, a alocação de recursos cognitivo-energéticos para a tarefa permite que se mantenha a mesma qualidade do desempenho, mesmo durante exercício à máxima intensidade. Segundo Brisswalter et al. (2002), alguns estudos que utilizaram tarefas com exigências decisionais detetaram uma zona ótima de intensidade de exercício na qual há melhoria do desempenho cognitivo.

O atleta pode acumular fadiga no decurso de um jogo (o decorrer do jogo influencia o estado do jogador), como também o jogador à medida que acumula fadiga modifica o seu comportamento decisional em jogo (a fadiga influencia o decorrer do jogo), embora os níveis de relação funcional (eficácia) permaneçam estáveis ou até aumentem com o decorrer do jogo (Davids & Araújo, 2005).
[No entanto, os autores basearam-se em tarefas artificiais…]

Conclusão:
A tomada de decisão, independentemente do nível de experiência, foi mais exata com intensidades elevadas do que com intensidades baixas.
Em tarefas específicas do desporto, onde a exigência decisional é elevada, apesar da fadiga fazer-se sentir segundo a perceção dos jogadores, o desempenho manteve-se eficaz, ou até chegou mesmo a aumentar a sua eficácia.  

Num estudo de Royal et al. (2006) foi assumido que a especificidade da tarefa permitiria aos participantes peritos implementar estratégias de auto-controlo (focalização da atenção, controlo do arousal) e de auto-monitorização seletiva para otimizar o desempenho na tarefa específica do desporto (Kitsantas & Zimmerman, 2002). Estes autores previam que desta forma seria minimizada a probabilidade de um declínio no desempenho cognitivo à medida que a fadiga aumentava.
 
Importa perceber como o atleta auto-regula os seus sistemas funcionais de modo a atingir um objetivo, sob diferentes condições de fadiga.