segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Ensino-Aprendizagem e Treino dos Comportamentos tático-técnicos no Futebol

Costa, I., Greco, P., Garganta, J., Costa, V., Mesquita, I. (2010) , Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte

"No âmbito metodológico do treino o Futebol ainda necessita evoluir para promover um jogo ainda mais dinâmico e espetacular. Nesse sentido, a respetiva evolução passa, inevitavelmente, por uma melhoria no processo pedagógico de ensino dos aspetos técnico-táticos do jogo.

O futebol desenvolve-se em um contexto complexo para a tomada de decisão, não apenas por causa da multiplicidade de componentes que se interagem (jogadores, bola, árbitros, dimensões, etc), mas também em razão das suas caraterísticas dinâmicas, da sua natureza cooperativa e de oposição simultâneas, onde as condições e situações de jogo mudam constantemente ao longo do tempo.

O futebol atual exige um ritmo acelerado, que requer dos jogadores um empenho permanente para se tomar decisões(...) São exigências elevadas que obrigam os jogadores a observarem, processarem e avaliarem as situações, e ao mesmo tempo elegerem a melhor solução para surpreender o adversário tanto técnica, quanto taticamente.

Durante uma partida surgem inúmeras situações cuja frequência, ordem cronológica e complexidade não podem ser previstas, exigindo uma elevada capacidade de adaptação e de resposta imediata por parte dos jogadores e das equipas.
(...) Estes comportamentos, além de serem aprendidos, incidentalmente, nos jogos/brincadeiras de rua, também são aprendidos, de forma organizada e eficaz, nos processos de ensino-aprendizagem reflexivos, onde as regras de estruturação do jogo estão relacionadas com a lógica da atividade, nomeadamente com a dimensão da área de jogo, com a repartição dos jogadores no terreno, com a distribuição de papéis e alguns preceitos simples de organização que podem permitir a elaboração de estratégias.

No futebol, os recursos técnicos são imprescindíveis para um ótimo rendimento, dos praticantes. Para a concretização da ação é exigida uma elevada capacidade de leitura de situações e tomada de decisão instantãnea, mais, é necessário que da leitura da situação seja "escrita" a solução. Por isso, quanto mais recursos motores específicos o jogador possui ou desenvolve, mais probabilidade de obter o sucesso no momento de materializar a ação de "escrever" a solução.

A técnica é portanto um fator decisivo que permite aos melhores executantes desempenhos superiores em situações de jogo. Os jogadores com repertório mais amplo têm uma maior variabilidade técnica e poderão alcançar no futuro níveis excelentes de rendimento desportivo. Não obstante é importante destacar que o ensino não se pode transformar em uma aprendizagem mecânica de gestos técnicos, o ensino das diferentes formas da iniciação nas suas bases não se restringe aos componentes biomecânicos da execução, mas, sobretudo, à escolha e ajuste do gesto à situação que se apresenta, uma vez que o contexto será relevante para o aprendizado.
O que se pretende a partir dessa ideia é que a aprendizagem das habilidades técnicas seja parte integrante de contextos com tomada de decisão, onde o que importa está contido na situação de jogo. Somente assim os praticantes serão capazes de resolver os problemas que o contexto específico lhes coloca. Desde os primeiros momentos da aprendizagem, importa que os praticantes assimulem um conjunto de princípios táticos, técnicos, que vão do modo como cada um se relaciona com a bola, até à forma de comunicar com os colegas e "contra-comunicar" com os adversários, passando pela noção de ocupação racional do espaço de jogo.

(...)
Noutras alturas, nas décadas de setenta a metodologia de treino vigente baseava-se em conhecimentos das áreas da Biologia, Fisiologia, Biomecânica, que concedia grau elevado de importância à preparação física e foi tão divulgada que as equipas adotaram essa forma de preparar os atletas.
A forma de jogar sob um prisma essencialmente tático-físico refletiu um decréscimo de desempenho técnico dos jogadores.

Ainda hoje se percebe falta de sincronismo entre a lógica do ensino utilizado hoje com a lógica funcional do jogo e a lógica pedagógica sugerida na lituratura, uma vez que, se constata baixa preocupação com os aspetos relacionados ao contexto do jogo, à tomada de decisão, à aprendizagem dos gestos técnicos de forma situacional, ao desenvolvimento do raciocínio tático e à iniciativa individual."

São portanto necessários métodos de treino que privilegiem a independência em que as situações de ensino e treino confrontem o jogador com o novo, o inesperado estimulando a sua capacidade criativa
Esta tendência vê-se apoiada nas teorias da psicologia cognitiva e nos modelos de execução de Bunker e Thorpe (1983) que propuseram uma nova metodologia denominada "Teaching Games for Understanding" (TGfU). Esta metodologia ganhou mais notoriedade científica em meados da década de 90 com uma proposta que suporta o ensino dos jogos desportivos coletivos em função da sua compreensão e conceção, ou seja, o ensino constituído por jogos táticos de complexidade adaptada ao nível qualitativo dos alunos/jogadores, para que dessa forma eles possam assimilar e aprender o jogo de uma forma dinâmica. Isto é feito através de jogos adaptados em função das regras, do espaço, da bola, das balizas e do número de jogadores, de forma a criar um ambiente propício à melhoria da compreensão do jogo, da aquisição de conhecimentos específicos e das habilidades técnicas requisitadas. (Costa, 2001; Oliveira, 2004)

"Ao abordar o ensino e aprendizagem para crianças e jovens alguns pesquisadores advertem sobre as diferenças que existem entre eles e os adultos em todos aspetos que permeiam o desenvolvimento desportivo. Greco, P. e Benda (1998) e Cardoso (2007), salientam que as crianças e os jovens não devem ser tratados como um adulto em miniatura durante o processo de ensino e aprendizagem. O desporto para crianças não deve basear-se em meras adaptações práticas, princípios e cargas realizadas pelos adultos, mas sim, deve ser organizado em função dos praticantes, tratando os objetivos, os conteúdos, os métodos, o desenvolvimento e os níveis de dificuldade de acordo com as idades e os níveis de maturação hormonal.

Os problemas nesse processo surgem quando o treino e a participação competitiva de crianças e jovens tendem a reproduzir e a adaptar os conhecimentos e as formas de organização do desporto de alto rendimento, quando a valorização e o reconhecimento social dos mais jovens se preceituam através dos resultados competitivos e quando a vitória nas competições continua a ser o objetivo principal para muitos treinadores, dirigentes e pais. 
Nesses casos há uma reversão lógica da formação, porque a procura do rendimento imediato impõe estratégias de treino que produzem resultados em curto prazo, comprometem os resultados futuros e frustram expetativas de crianças e jovens.

De acordo com Damásio e Serpa (2000) a preparação desportiva de crianças e jovens, desajustada às caraterísticas do processo de crescimento e maturação, tem sido apontada como uma razão determinante para maior abandono e menor adesão de praticantes entre os 14 e os 18 anos nos desportos.
Por esse motivo, é importante que as crianças e os jovens que se encontram em fase de crescimento marcada por numerosas alterações no desenvolvimento físico, psíquico e social, obtenham durante a sua formação desportiva o máximo de experiências motoras que lhes garantam um repertório motor rico, um bom desenvolvimento das suas capacidades físicas e psicossociais para que possam no futuro, caso queiram, ter êxito no desporto de rendimento (Ferreira, 2000; Marques; Oliveira; Prista, 2000; Barbanti, 2005).

Para que isto seja assegurado, parecem pertinentes três elementos estruturais do processo de ensino e aprendizagem descritos por Hahn (1988):
1. especificidade de acordo com cada etapa de formação
2. desenvolvimento de conteúdos nas aulas ou treinos de acordo com os processos volitivos e de maturação
3. periodização do processo de ensino e aprendizagem orientados muito mais pelas necessidades específicas dos atletas jovens e muito menos pelos modelos de periodização do universo da teoria do treino.

A aplicação destes três elementos permite a revalorização do sentido pedagógico da formação desportiva, do qual as crianças e os jovens beneficiarão de um processo educativo mais adequado, onde os treinos/aulas serão desenvolvidos de acordo com o seu histórico social e a sua maturidade biológica, uma vez que, cada criança ou jovem possui a sua própria maturação com diferenças sexuais e intra e interindividuais.

Outro ponto importante do processo de ensino e aprendizagem é a forma didático-metodológica de se conceber o aprendizado das habilidades inerentes ao desporto, nesse caso o Futebol. Sobre esse assunto, Garganta (1995) propõe uma abordagem dividida em três formas: 1) centrada nas técnicas, 2) centrada no jogo formal e 3) centrada nos jogos condicionados.
A forma centrada nas técnicas desmonta o jogo em habilidades técnicas que são ensinadas analiticamente, hierarquicamente e descontextualizadas, relativamente ao jogo; promove um jogo pouco evoluído, em que os jogadores apresentam déficits de conhecimentos específicos e, consequentemente, de compreensão do jogo.
A forma centrada no jogo formal utiliza o jogo como aspeto central do processo de ensino. O jogo não é desmontado nem técnica nem taticamente. A abordagem é feita de uma forma global em que a tática surge como resposta aos problemas que o jogo levanta e a técnica surge como concretização dessas respostas. Apesar desta metodologia de ensino do jogo promover o desenvolvimento das capacidades e conhecimentos específicos dos jogadores ela não é satisfatória, uma vez que não consegue proporcionar uma densidade de comportamentos desejados, tanto técnicos como táticos, que possibilitem maximizar o desenvolvimento das capacidades e dos conhecimentos específicos individuais, setoriais e inter-setoriais, grupais e coletivos dos jogadores e da equipa.
A forma centrada nos jogos condicinados carateriza-se pela decomposição do jogo em unidades funcionais, que propiciam o aprendizado e a vivência das mesmas interações presentes nos jogos oficiais entre as dimensões tática, técnica, psicológica e fisiológica, porém em escalas inferiores de complexidade. A partir disto, o ensino é concebido através da apresentação e interação dessas unidades funcionais, onde o jogo apresenta problemas que são direcionados através de situações criadas que proporcionam comportamentos desejados através da intenção e compreensão do jogo promovida pelo professor/treinador. Esta abordagem metodológica evidencia o desenvolvimento das capacidades, dos conhecimentos específicos dos jogadores, do jogo contextualizado e direcionado para os comportamentos desejados.
Musch e Mertens (1991) e Graça (2006) preconizam que esta forma de ensino preserva a autenticidade e a autonomia dos praticantes, respeitando o jogo formal, no qual as estruturas específicas de cada modalidade são mantidas, como: a finalização, a criação de oportunidades para o drible, o passe, os lançamentos nas ações ofensivas, etc.

Greco, P.(1998), além de citar o método analítico, também faz menção a cinco outros métodos: Global, de confrontação, parcial, "conceito recreativo do jogo desportivo" e o situacional.
Faço referência ao método global em que o ensino é desenvolvido a partir da "série de jogos" acessíveis às faixas etárias e às capacidades técnicas dos alunos no qual se busca contemplar " a ideia central do jogo" ou as suas estruturas. Faço também referência ao método situacional em que o ensino é preconizado através de situações isoladas dos jogos com números reduzidos de praticantes (1x0, 1x1, 2x1, etc.), nos quais há inserção de elementos desportivos (técnicos, táticos, psicológicos e físicos) e de situações típicas do desporto propiciará o aprendizado e a vivência do mesmo.  Encaro portanto este método situacional como um importante recurso."

Finalizando e partilhando a ideia escrita pelos autores, é dever do professor criar as condições favoráveis para o estabelecimento do vínculo duradouro entre o praticante e o desporto. Ao mesmo tempo, deve haver a preocupação de que as aulas sejam experiências motivadoras e interessantes, gerando prazer a todos os alunos. Por isso, durante as aulas/treinos deve dar-se oportunidade para brincar, jogar e desfrutar os momentos de prática.