segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Importância das condicionantes estruturais do exercício




retirado de: Futebol, organização do jogo (Jorge Castelo)


O exercício é o meio (ferramenta) fundamental do treinador, para que este possa definir, direcionar e modificar o processo de formação e desenvolvimento, ou seja, de transformação dos jogadores, sem o qual não é possível que estes respondam de forma adequada e eficaz às exigências que a competição em si encerra.
 



A estrutura dos exercícios de treino: 
O exercício de treino depende da qualidade de resposta às seguintes questões:

  • Que objetivos se pretende atingir?
  • Que conteúdos técnicos, táticos, físicos, etc, se pretende aprender, aperfeiçoar ou desenvolver?
  • Que formas de organização dos conteúdos estabelecidos se deve utilizar para alcançar aqueles objetivos?
  • Que nível de performance se deve observar para que o exercício tenha atingido o objetivo pretendido?

Componentes estruturais do exercício de treino:

Plano Fisiológico (5 variantes):

  • Duração do exercício (tempo que demora a executar um exercício)

  • Volume do exercício (quantidade de carga)

  • Intensidade (exigência do exercício)

  • Densidade (relação entre carga-exercício ou séries de exercícios)

  • Frequência (número de repetições)


Plano Tático-Técnico  


Número:

Ao diminuirmos o número de jogadores envolvidos num exercício aumentamos claramente as possibilidades destes serem solicitados para a execução das ações programadas. A redução do número de jogadores irá aumentar o número de vezes que estes podem relacionar-se.



Espaço

Ao diminuirmos o espaço, maiores serão as dificuldades encontradas pelos jogadores na concretização dos objetivos consubstanciados pelos conteúdos dos exercícios de treino. Este facto deriva de quanto menor for o espaço, menor será o tempo que os jogadores possuem para analisar a situação e executar as ações técnicas correspondentes à sua solução, o que implica consequentemente um aumento da velocidade e do ritmo de execução das ações individuais e coletivas, diminuindo a eficácia estabelecida para a concretização dos objetivos propostos. Neste sentido, “há que adequar o espaço de forma precisa, visto que entre o espaço e a atividade desenvolvida pelos praticantes existe uma relação direta e precisa” (Queiroz, 1986)



Tempo

“a resolução eficaz das situações de jogo é consequência de dois parâmetros fundamentais: “a velocidade com que se encontra a solução do problema, e, a adequação dessa solução a essa mesma situação (Mahlo, 1966). A rapidez e a adequação são duas qualidades que interagem em sentidos inversos. Isto significa que a solução dos problemas postos pelo jogo, é tanto mais adequada, quanto o jogador pode refletir essa situação durante mais tempo. Se considerarmos o tempo reduzido que o jogador dispõe para resolver durante o jogo os problemas postos, torna-se claro que a atividade no seu conjunto, não pode atingir a correção absoluta. Logo, é o grau de adequação de cada uma das ações no seu seio da atividade coletiva global que carateriza o nível tático de um jogador e, em definitivo, de uma equipa.

A invariável tempo está estritamente ligado ao espaço: “Quanto mais tempo tiver para agir, maior margem de erro é possível por parte do jogador. (Queiroz, 1986 cit. Schon, Helmut) refere que: “o rendimento de um jogador está diretamente relacionado pelo factor tempo e pelo factor espaço, isto é, a eficácia técnica depende de um complexo de variáveis técnicas e táticas desenvolvidas em competição que podem, ou não, perturbar o jogador quando se o pressiona pelo tempo e se o priva de espaço”.



Complexidade

A complexidade da situação representa as condições de execução, ou seja, o conjunto de condicionantes que irão fundamentar as razões da opção de um certo comportamento em detrimento de outros e que deverá ser o mais adaptado à situação competitiva.

A relação estabelecida entre o número-espaço-tempo determinam, consequente e continuamente um certo grau (nível) de complexidade que poderá ser aumentado ou diminuído consoante as modificações operadas numa ou mais invariantes e do grau de alteração das relações estabelecidas entre estas. 




Clemente, F.; Couceiro, M.S.; Martins, F.M.L.; Mendes, R. – The usefulness of small-sided games on soccer training.

Journal of Physical Education and Sport (2012)
 
Os resultados deste estudo sugerem que a intensidade do exercício pode ser manipulada pelos treinadores, através de condicionantes estruturais. Ao mesmo tempo, os treinadores podem aumentar a qualidade tática e técnica através das mesmas condicionantes, através da especificidade: “the coaches try to emulate the physical, technical and tactical requirements, adapting the task to specificity of the game, reducting its forms and adapting training objectives (MacLaren, Davis, Isokawa, Mellor & Reilly, 1988; Hoff, et al., 2002; Reilly & White, 2004; Mallo & Navarro, 2008)


Muitos estudos examinaram a relevância e a influência das condicionantes estruturais dos exercícios (espaço, número de jogadores, colocação dos alvos e comunicação/feedback do treinador) na intensidade dos jogos simplificados/reduzidos. (Owen, Twist & Ford, 2004; Rampinini, et al., 2006; Jones & Drust, 2007). 
Muitos estudos revelam que o área de jogo influencia o número de contactos com a bola e o tipo de passes efetuados pelos jogadores. (Jones & Drust, 2007; Casamichana & Castellano, 2010).
Da mesma maneira, o número de jogadores em jogos reduzidos/simplificados influencia as ações técnicas realizadas pelos jogadores (Katis & Kellis, 2009; Rudolf & Václav, 2009).


Mas lembre-se:
O mesmo exercício pode não resultar da mesma maneira em duas equipas diferentes, ou em dois momentos diferentes da época desportiva. 
Assim, o treinador precisa de usar múltiplas condicionantes para adaptar os jogos reduzidos/simplificados para alcançar os objetivos
 


Especificidade



A introdução de exercícios específicos depende de fatores associados ao contexto de equipa e dos seus objetivos. Fatores como, as capacidades condicionais dos jogadores, a fase da época, o tempo de recuperação antes ou depois do jogo, objetivos estratégicos da equipa, nível técnico dos jogadores, nível de desempenho coletivo são fatores que devem ser considerados até ao momento de designar os exercícios de treino. 
A adequação da especificidade do exercício ao contexto é um fator chave que poderá levar ao sucesso. (Clemente, F. et al., 2012)



Número de Jogadores
O número de jogadores no campo, nos jogos reduzidos/simplificados pode influenciar a intensidade e os efeitos fisiológicos do jogo.
O número de jogadores em cada jogo influencia a intensidade do jogo e a frequência de contactos com a bola.
Geralmente, autores observam um aumento na resposta cardiaca (frequência cardiaca) nos jogos reduzidos/simplificados, usando menos jogadores. Quanto menor o número de jogadores, maior a intensidade de jogo (Rampinini et al., 2007)
Adicionalmente, foi possível analisar que a média da frequência cardíaca reduz-se gradualmente ao mesmo tempo que aumentamos o número de jogadores. Contrariamente e ao mesmo tempo, à medida que o número de jogadores é mais baixo, o número de contactos com a bola por cada jogador aumenta. (Clemente, F. et al., 2012)
Quanto menor o número de jogadores maior poderá ser o contacto de cada jogador com a bola. (Balsom, 1999)

Na prática...


O número de jogadores pode modificar as exigências de cada jogador. Quanto menor o número de jogadores maior a intervenção de cada um no jogo, reduzindo a variabilidade das possibilidades de passes.
Usando a forma jogada 8x8 e a de 4x4, Jones and Drust (2007), concluíram que o número de contactos com a bola é superior na forma jogada com menos jogadores.
É possível observar que quanto menor o número de jogadores nos jogos reduzidos/simplificados, mais oportunidades para aumentar a frequência de skills. Na verdade, o aumento do número de jogadores nos jogos reduzidos deve estar de acordo com a especialização e fase de aprendizagem dos jogadores. São recomendados menos jogadores nos jogos reduzidos para jogos entre alunos de nível mais baixo de especialização. Com o aumento da qualidade, com o aumento do nível de especialização, recomenda-se também o aumento do número de jogadores em cada jogo reduzido/simplificado. (Clemente, F., 2012)




Área de jogo


Physiological and Kinematical Effects
Treinadores podem adaptar a intensidade do treino pela variação na área de jogo. (Tessitore, Meeusen, Piacentini, Demarie & Capranica, 2006).
Basicamente, o espaço para progredir com bola e as suas ações de suporte estão relacionadas com o espaço entre jogadores bem como com o espaço livre para tomar decisões. Neste sentido, o jogador pode estar constrangido pelas dimensões do campo. Espaços com pequenas dimensões podem promover mais mudanças de comportamento e aceleração. Por outro lado, espaços com grandes dimensões fazem com que os jogadores tenham mais tempo para decidir. 



Na prática…
O tamanho da area de jogo pode ser uma importante condicionante usada pelo treinador para obtenção dos seus objetivos. De facto, a frequência de skills, por cada jogador é um importante fator de desenvolvimento da sua relação relação com a bola e suas competências técnicas de jogo.  (Clemente, F., 2012)


 


As dimensões do campo podem diminuir ou aumentar a distância entre jogadores. Essas distâncias podem determinar a frequência de habilidades técnicas por parte dos jogadores. Maiores distâncias entre jogadores da mesma equipa podem ajudá-los a realizar passes porque os adversários ficam mais distantes do jogador portador da bola. Em campos mais pequenos, com tamanho mais reduzido a distância entre jogadores da mesma equipa ajuda a fazer passes mas estes podem não ter a mesma eficiência porque os adversários estão mais próximos e por consequência, podem intercetar a bola. (Clemente, F., 2012)




Colocação dos alvos
Os constrangimentos da tarefa são um importante fator que podem ser usados para manipular a relação, interação e respostas do jogador num dado contexto. (Araújo, Davids & Hristovski, 2006).

As condicionantes podem restringir e aceitar múltiplos comportamentos que o sistema pode adotar. (Davids, et al., 2008). Especificamente, constrangimentos relacionados à tarefa que podem ajudar os jogadores a centrar a sua perceção em informação muito específica. (Handford, et al., 1997)
A inclusão do guarda-redes modifica o comportamento dos jogadores a nível tático e físico. A tarefa com guarda-redes mostra menos intensidade (menor frequência cardíaca média) e menor distância percorrida pelos jogadores. Na tarefa com guarda-redes os jogadores tentam organizar defensivamente a sua equipa no sentido de proteger a sua baliza. Isto tem influência no jogo. (Mallo and Navarro, 2008)
(Duarte et al., 2010) manipulou 3 condicionantes ligadas à tarefa:
i)              Uma “pointline”, que tem que ser ultrapassada através da condução de bola;
ii)             2 balizas nos corredores laterais;
iii)            1 baliza central;
Os resultados sugerem que a variabilidade da frequência cardíaca associada à “pointline” é mais baixa do que aquela que está associada a ambas as balizas e/ou a uma única baliza.







São vários os estudos que sugerem que as condicionantes estrutrurais, tais como, as dimensões do terreno de jogo e o número de jogadores promovem diferenças nos jogos reduzidos. Antes de implementarem os exercícios e as suas condicionantes, os treinadores precisam de considerar primeiro o nível dos seus alunos e o contexto. Consecutivamente, o treinador precisa de considerar, em primeiro lugar, o objetivo do exercício e só depois manipular as condicionantes para que o exercício alcance o seu objetivo.