quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Treino de Guarda-redes

Silva Pereira, P. - O Processo de treino do Guarda-redes de Futebol - da teoria à prática (2009). 
Um estudo com Wil Coort e Ricardo Peres.
Universidade do Porto, Faculdade de Desporto. 

É importante:
 a) Verificar o que se entende por Modelo de Formação de Guarda-redes e perceber quais os aspetos determinantes que deverão estar presentes;
b) Compreender o papel que o Guarda-redes deverá assumir na equipa e em que deverá consistir o seu treino; 
c) que o treinador de Guarda-redes saiba o que é estar na baliza;
d) que o processo de treino do Guarda-redes deva passar pelo reconhecimento de situações de jogo, refinando os processos de perceção, decisão e antecipação à medida que se criam hábitos de ação específicos;
e) esta preocupação (d) deva estar presente desde o período preparatório onde se começa a esboçar o jogar;
f) que a operacionalização dos princípios e a operacionalização dos conteúdos sejam paralelos e interajam mutuamente. 


A formação inicial do guarda-redes terá de contemplar ambientes de incerteza que permitem o seu desenvolvimento individual a partir do jogo, sendo a sua base comum aos restantes jogadores.  
Por isso, e de acordo com (Sainz de Baranda, 2005), no início, o treino do jovem guarda-redes deverá ser composto por situações que permitam que este realize as três fases do comportamento motor: a perceção, a tomada de decisão e a execução. Esta necessidade prende-se com o facto do jogo:
 1. ser composto essencialmente por habilidades abertas, ou seja, são habilidades que se desenrolam num envolvimento variável e imprevisível, em que um objeto ou contexto do envolvimento estão em movimento e determinam quando começa a ação. Para obter sucesso, o indivíduo tem de atuar de acordo com a ação do objeto ou segundo as caraterísticas do envolvimento, o qual está em contínua modificação temporal e espacial (Vasconcelos, 2006) 
 2. ser um sistema em que o significado é dado pelo "todo", que é constituído pelas relações dos seus constituintes. Como o "jogar" expressa as relações de cooperação entre os colegas e de oposição com os adversários, o jogo pode ser definido como um sistema de "sistemas". (Morin, 1997)
 3. ser um sistema dinâmico, ou seja, surge como uma sinergia emergente entre os jogadores envolvidos e não como uma súmula das ações individuais, em constante adaptação ao meio envolvente, o que faz com que a tomada de decisão se baseie num processo de exploração e seleção de informação relevante de forma continuada e ativa, para que as escolhas tenham sentido. 


 
 



Nas primeiras fases de aprendizagem, devem-se construir progressões que respeitem as caraterísticas biopsicossociais das crianças e que promovam o desenvolvimento da criatividade, principalmente porque é sabido que os jovens, com maior domínio de movimentos apresentam uma maior variedade de ação motriz (Voser et al., 2006). Então, os exercícios terão de possibilitar a existência da aleatoriedade e de surgirem comportamentos auto-organizados, ou seja, terão de se basear em processos probabilísticos em vez daqueles estritamente deterministas (Frade, 2003 cit. Por Fonseca 2006). No entanto, esse aparecimento dos comportamentos não pode ser desprovido de sentido, pois como salienta Portolés (2007, cit. Por Tamarit, 2007), não pode haver criatividade sem intencionalidade. Trata-se portanto, de ensinar que os princípios marcam o início de um comportamento, mas o final, esse é dado pela criatividade do jogador, sempre subjacente a uma determinada ideia de jogo (Tamarit, 2007).

Voser et al. (2006) apresentam uma proposta de formação do guarda-redes. Afirma que numa primeira fase, dos 6 aos 9 anos, devemos deixar as crianças experimentarem várias posições e também outras modalidades desportivas sempre que possível, para que depois, comecem a realizar movimentos específicos da posição de guarda-redes.  
Para eles,
 

Escalão
Dimensão física
Dimensão técnica
Dimensão tática
Dimensão específica
Benjamins
15%
70%
5%
10%
Infantis e Iniciados
20%
50%
10%
20%
Juvenis
30%
25%
10%
35%
Juniores e transição para sénior
30%
20%
10%
40%


·         

Na fase de pré-formação, o mais importante é a ênfase na melhoria das ações motoras simples com bola. Esta fase será tanto melhor quanto melhores tenham sido as vivências motoras da criança dos 6 aos 9 anos, mais especificamente com relação aos movimentos naturais (andar, correr, saltitar, etc). 
Posteriormente na fase de formação inicial, a ênfase será na questão das qualidades coordenativas e a especificidade deverá chegar a um volume considerável no final desta etapa, ou seja, no final dos 13 anos. 
É importante desenvolver atividades para o desenvolvimento técnico desde que estas sejam um meio e não um fim e devem-se destacar exercícios físicos de caráter mais geral. Dá-se a incorporação do físico com o técnico, com evolução gradual. Com relação aos aspetos específicos da preparação do guarda-redes torna-se fundamental que este jovem atleta tenha uma grande variabilidade de ações motoras próprias da sua posição. Devem-se corrigir os vícios de execução.
Na fase final de formação, devem-se enfatizar todas as qualidades do jogador (dimensão tática, técnica, física e psicológica), e na fase de formação especial, continuar a evoluir. 

Martone (1997), evidencia também grande preocupação com as idades mais tenras. Ele defende que o desenvolvimento da reação, da capacidade de orientação espaço-temporal e da diferenciação devem ser estimuladas desde cedo. 


Nas crianças de 8 anos a capacidade de tratamento da informação é menos de metade de um de 12 anos e praticamente até aos 10 anos, eles não são capazes de inibir a elaboração de informação relevante e não resistem a potenciais estímulos de distração, dividindo a atenção pelo que é essencial e pelo que não é. Para além disso, um guarda-redes de 8 anos, tem várias dificuldades em lidar com a pressão de ter um adversário para lhe tirar a bola após um atraso, devido à falta de controlo motor e de ler rapidamente o que se passa, agindo em conformidade. Daí que, Tamarit (2007) refira a importância da repetição sistémica, fazendo aparecer  uma grande percentagem dos comportamentos que queremos que sejam realizados pelos jogadores. Para isso, devemos condicionar o exercício, para que surja rapidamente o comportamento pretendido (Tamarit, 2007). Dessa forma, será possível a criação de hábitos que são processos subconscientes que permitem a decisão e a reação rápida (McCrone 2002).  
Tamarit (2007) esclarece: "quando o cérebro encontra situações (no jogo) semelhantes às que experenciou (no treino) anteriormente (e com que foram incorporadas como automatismos), reage perante certos estímulos já conhecidos de forma inconsciente, permitindo reduzir o tempo de descodificação das informações existentes". Dessa forma, o timing decisional pode ser reduzido de 500 a 200 milésimas de segundo, devido aos atalhos neuronais que são criados (Jensen, 2002) 


Martone (1997) reconhece também a importância da decisão e refere que a aprendizagem do guarda-redes dá-se não em situações em que a resposta lhe esteja a ser dada sistematicamente, mas sim em situações de jogo, onde ele encontre as suas próprias respostas aos problemas. No entanto, na sua opinião, nas idades mais baixas, a intervenção do treinador deverá ser a mais indireta possível, ou seja, apenas para a modificação do exercício em termos das condicionantes e não durante o exercício em si. Apenas a partir dos 12 anos é que será de outra forma, pois entre os 7 e os 12 anos há um aperfeiçoamento da capacidade coordenativa e cognitiva, favorecendo a aprendizagem de condutas específicas sob condições de grande variabilidade.

Vigil (2008) apresenta também a sua proposta de ensino dos conteúdos de treino do guarda-redes de Futebol desde os 10 anos até aos 16 anos.




Escalão/Idade
Dimensão Técnica
Dimensão Tática
Dimensão Física
Dimensão Psicológica
10 anos
Entender a posição específica; Dominar a bola; saber rodar, distribuir, passar e lançar a bola
Conhecimento das regras básicas
Adaptação ao jogo; manter equilíbrio e coordenação; aquecimento e recuperação básicas
A criança deve divertir-se e ter prazer; o treino deve ser simples
11/12 anos
Posição base; Controlo e distribuição da bola com as mãos e pés; saber reagir a cruzamentos; saber realizar passes curtos e resolver 1x1
Entender o papel do guarda-redes com respeito aos princípios básicos; inteirar-se das posições e papéis dos restantes jogadores
Equilíbrio, coordenação e ritmo; conhecer os gestos específicos do guarda-redes; Flexibilidade e mobilidade; aquecimento e recuperações básicas
Progressão de técnica simples e estabelecer os níveis/as normas: realizar trabalho em grupos
13/14 anos
Maneiras de defender remates agarrando ou desviando a bola; reduzir ângulos; saber movimentar-se para não sofrer golos; exercícios para melhorar a reação e que os façam decidir; distribuição da bola com a mão e com os pés e pontapés de baliza; importância do apoio e disponibilidade; saber como controlar e passar a bola com ambos os pés; saber jogar 1x1
Conhecer o jogo de futebol e as regras do jogo; entender situações relacionadas com o 11x11; ter a capacidade de comunicar com os companheiros
Manter equilíbrio, coordenação; conhecer gestos específicos para os guarda-redes; exercícios de flexibilidade e mobilidade; aquecimento e recuperação  
Bom conhecimento da pequena e da grande área; Preparação do treino e do jogo de futebol; saber aceitar a avaliação, os elogios e a crítica


Para Capuano (2002) existem quatro pontos importantes para a formação do jovem guarda-redes: 
1. Promover situações de jogo, pois estas contêm vários tempos para decidir (umas vezes mais, outras vezes menos), os adversários, os colegas, referencias temporais e espaciais e tudo isto ajuda imenso o guarda-redes a decidir nas mais variadas situações. 
2. Desenvolvimento do pensamento tático, visto este ser um suporte essencial para a formação da antecipação motora complexa. Antecipar é intuir comportamentos e nesse sentido, influencia a própria coordenação motora do jovem guarda-redes. 
3. Treino ideológico-motor, porque apesar das crianças ainda não terem esta capacidade, a partir de determinadas idades (12,13 anos) este tipo de treino permite uma exercitação mental que associada aos aspetos motores, desenvolvem o controlo motor determinado pela via cinestésica. Dá ao guarda-redes a capacidade de pensar inversamente. 
4. Treino específico que compreende a execução de várias ações técnicas, sob várias condições, levando à aquisição dos comportamentos típicos do guarda-redes - Englobam também as ações táticas específicas do posto. 
 Silvestre (2008), apresenta também uma proposta para o treino de guarda-redes por escalões:

  
Benjamins
Grande ênfase nos aspetos técnicos, com grande papel da instrução e do feedback (importante o cinestésico) do treinador. Complexidade reduzida e muitas repetições.
Infantis
Continuação do ênfase nos aspetos técnicos e uma importância cada vez maior da componente tática.
Iniciados
Dimensão técnica (50%) continua com maior importância; Dimensão tática (30%); Dimensão física (15%); Dimensão psicológica (5%)
 

Método de Hoek, 2006:

Fase 1 – Controlar a Bola
Técnica/habilidades; programas de desenvolvimento da técnica; dominar a bola; criar as bases para jogar contra o adversário; sempre com a baliza (de vários tamanhos) para defender e atacar
Fase 2 – Jogando Juntos
Desenvolver a perspicácia, a compreensão e a comunicação; com os colegas de equipa e contra o adversário – desenvolver interações; do 2x1 ao 8x8; sempre com a baliza (de vários tamanhos) para defender e atacar.
Fase 3 – Jogando juntos com sistemas
Desenvolver a perspicácia, a compreensão e a comunicação; Jogar em diferentes sistemas: 1-4-3-3/1-4-4-2/ 1-3-5-2; saber experimentar as tarefas e responsabilidades existentes na operacionalização dos sistemas; saber os pontos fortes e fracos de cada sistema; saber jogar contra outros sistemas que não o nosso

Vou debruçar-me então mais sobre os escalões de base. Segundo os vários autores, deve dar-se maior ênfase à dimensão técnica. Porém, também devem ser promovidas situações de jogo. O ensino deverá ser realizado de forma mais contextualizada possível, através de jogos condicionados, para que o nosso pequeno guarda-redes possa repetir o maior número de vezes possível os vários gestos técnicos. Apresento em seguida os diversos gestos técnicos do guarda-redes e as suas componentes críticas. 








Posição base

Cabeça deve encontrar-se erguida de forma a acompanhar a bola com o olhar, o tronco ligeiramente inclinado à frente, braços ligeiramente fletidos e à frente com as mãos à altura dos joelhos, pernas semifletidas e afastadas formando uma boa base de sustentação, os pés podem assumir duas posições: a) com toda a superfície plantar em contacto com o solo; b) apenas a parte anterior contacta com o solo (Ocaña, 1997)


Receção alta
Realizada acima da linha dos ombros, sempre à frente ou sobre o eixo longitudinal corporal, e com os braços estendidos. Esta ação técnica pode ser executada em salto ou em apoio e sempre com os polegares juntos (mãos em forma de concha)
Receção média
Realizada entre a linha dos ombros e a linha da cintura, as mãos situam-se no plano frontal para que o corpo constitua uma segunda barreira entre a bola e a baliza.
Receção baixa
Realizada entre a linha da cintura e solo, com um joelho fletido e apoiado no chão, o tronco fletido à frente e com os braços estendidos (procura juntar os antebraços).           
Receção em queda
Realizada, com qualquer superfície corporal em contacto com o solo (queda lateral) à exceção dos apoios plantares. Com os braços estendidos, flexão e abdução da perna que entra em contacto com o solo e dedos das mãos afastados. Para maior segurança, no final da ação técnica, levar a bola ao peito pressionando-a com os braços, antebraços e mãos. As mãos não devem estar sobrepostas.


Receção com encaixe
Reduz rapidamente a velocidade da bola através do contacto com desta contra o peito e simultânea pressão realizada pelos antebraços e mãos contra o seu próprio corpo


Desvios
São ações técnicas que consistem em modificar a trajetória e/ou sentido da bola, dando-lhe uma direção determinada com propósito defensivo. Os desvios podem ser classificados de acordo com a superfície de contacto com a bola, deste modo temos:
Desvio com a mão – realiza-se quando a bola descreve uma trajetória área, o contacto com a bola é precedido de um deslocamento frontal e nunca deve ser efetuado em apoio. Esta ação deve ser utilizada quando a receção da bola seja inadequada ou quando a sua posse não seja garantida.
Desvios com o pé


Saídas
quando o guarda-redes sai da sua área de proteção no sentido de intervir sobre a bola. A execução técnica da saída divide-se em dois momentos distintos:
a)    O deslocamento
b)    A intervenção sobre a bola. A bola encontra-se na posse do adversário que a conduz na direção da baliza. Na ação de condução de bola, diferencia-se dois momentos:
1)    Um em que a bola se encontra fora do controlo motor do atacante
2)    Outro em que o jogador está em contacto com a bola
No primeiro momento o guarda-redes deve intervir sobre a bola de forma rápida e decidida
Reposição
Reposição com o pé – é fundamental que o guarda-redes realize em simultâneo um deslocamento frontal e uma extensão completa do braço que lança a bola para o pé.
Reposição com a mão – É importante que o guarda-redes consiga estender o braço no momento do lançamento e que tenha uma excelente relação com a bola para que consiga dominá-la a uma só mão num movimento dinâmico.


Pontapé de baliza
com passe curto ou passe longo. Passe com o pé que pode ser curto quando a bola está controlada e se pretende jogar para perto ou então longo através de passe em vólei lateral ou frontal



Por fim, apresento a opinião de dois entendidos,

Wil Coort: "até aos escalões de infantis, a preocupação principal é o desenvolvimento da técnica do guarda-redes com a introdução gradual dos aspetos táticos, sobretudo em termos de posicionameto. No escalão de iniciados, os exercícios técnicos aumentam de complexidade e as questões táticas ganham mais peso."

Ricardo Peres: "nos escalões de Escolas e Infantis a capacidade de manipular a bola e a vivenciação do maior número de técnicas com exigências adaptadas à idade são aspetos muito importantes. Em termos táticos, a seleção da informação a ser passada terá de ser muito bem filtrada dadas as limitações em termos de compreensão das crianças."; "Se nos escalões mais jovens começamos por abordar a técnica e a tática de uma forma não tão complexa, fazendo as progressões que se exigem para uma aprendizagem tática e técnica, o psicológico também é fundamental abordarmos desde novos"  



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