Silva Pereira, P. - O Processo de treino do Guarda-redes de Futebol - da teoria à prática (2009).
Um estudo com Wil Coort e Ricardo Peres.
Universidade do Porto, Faculdade de Desporto.
É
importante:
a)
Verificar o que se entende por Modelo de Formação de Guarda-redes e perceber
quais os aspetos determinantes que deverão estar presentes;
b)
Compreender o papel que o Guarda-redes deverá assumir na equipa e em que deverá
consistir o seu treino;
c) que o
treinador de Guarda-redes saiba o que é estar na baliza;
d) que o
processo de treino do Guarda-redes deva passar pelo reconhecimento de situações
de jogo, refinando os processos de perceção, decisão e antecipação à medida que
se criam hábitos de ação específicos;
e) esta
preocupação (d) deva estar presente desde o período preparatório onde se começa
a esboçar o jogar;
f) que a
operacionalização dos princípios e a operacionalização dos conteúdos sejam
paralelos e interajam mutuamente.
A formação
inicial do guarda-redes terá de contemplar ambientes de incerteza que permitem
o seu desenvolvimento individual a partir do jogo, sendo a sua base comum aos restantes jogadores.
Por isso, e
de acordo com (Sainz de Baranda, 2005), no início, o treino do jovem
guarda-redes deverá ser composto por situações que permitam que este realize as
três fases do comportamento motor: a perceção, a tomada de decisão e a
execução. Esta necessidade prende-se com o facto do jogo:
1. ser
composto essencialmente por habilidades abertas, ou seja, são habilidades que
se desenrolam num envolvimento variável e imprevisível, em que um objeto ou
contexto do envolvimento estão em movimento e determinam quando começa a ação.
Para obter sucesso, o indivíduo tem de atuar de acordo com a ação do objeto ou
segundo as caraterísticas do envolvimento, o qual está em contínua modificação
temporal e espacial (Vasconcelos, 2006)
2. ser
um sistema em que o significado é dado pelo "todo", que é constituído
pelas relações dos seus constituintes. Como o "jogar" expressa as
relações de cooperação entre os colegas e de oposição com os adversários, o
jogo pode ser definido como um sistema de "sistemas". (Morin, 1997)
3. ser
um sistema dinâmico, ou seja, surge como uma sinergia emergente entre os
jogadores envolvidos e não como uma súmula das ações individuais, em constante
adaptação ao meio envolvente, o que faz com que a tomada de decisão se baseie
num processo de exploração e seleção de informação relevante de forma
continuada e ativa, para que as escolhas tenham sentido.
.
Nas primeiras fases de aprendizagem,
devem-se construir progressões que respeitem as caraterísticas biopsicossociais
das crianças e que promovam o desenvolvimento da criatividade, principalmente
porque é sabido que os jovens, com maior domínio de movimentos apresentam uma
maior variedade de ação motriz (Voser et al., 2006). Então, os exercícios terão
de possibilitar a existência da aleatoriedade e de surgirem comportamentos
auto-organizados, ou seja, terão de se basear em processos probabilísticos em
vez daqueles estritamente deterministas (Frade, 2003 cit. Por Fonseca 2006). No
entanto, esse aparecimento dos comportamentos não pode ser desprovido de
sentido, pois como salienta Portolés (2007, cit. Por Tamarit, 2007), não pode
haver criatividade sem intencionalidade. Trata-se portanto, de ensinar que os
princípios marcam o início de um comportamento, mas o final, esse é dado pela
criatividade do jogador, sempre subjacente a uma determinada ideia de jogo
(Tamarit, 2007).
Voser et al. (2006) apresentam uma proposta de formação do guarda-redes. Afirma que numa primeira fase, dos 6 aos 9 anos, devemos deixar as crianças experimentarem várias posições e também outras modalidades desportivas sempre que possível, para que depois, comecem a realizar movimentos específicos da posição de guarda-redes.
Para eles,
Escalão
|
Dimensão
física
|
Dimensão
técnica
|
Dimensão
tática
|
Dimensão
específica
|
Benjamins
|
15%
|
70%
|
5%
|
10%
|
Infantis e
Iniciados
|
20%
|
50%
|
10%
|
20%
|
Juvenis
|
30%
|
25%
|
10%
|
35%
|
Juniores e
transição para sénior
|
30%
|
20%
|
10%
|
40%
|
·
Na fase de pré-formação, o mais importante é a ênfase
na melhoria das ações motoras simples com bola. Esta fase será tanto melhor
quanto melhores tenham sido as vivências motoras da criança dos 6 aos 9 anos,
mais especificamente com relação aos movimentos naturais (andar, correr,
saltitar, etc).
Posteriormente na fase de formação inicial, a ênfase
será na questão das qualidades coordenativas e a especificidade deverá chegar a
um volume considerável no final desta etapa, ou seja, no final dos 13 anos.
É importante desenvolver atividades para o
desenvolvimento técnico desde que estas sejam um meio e não um fim e devem-se
destacar exercícios físicos de caráter mais geral. Dá-se a incorporação do
físico com o técnico, com evolução gradual. Com relação aos aspetos específicos
da preparação do guarda-redes torna-se fundamental que este jovem atleta tenha
uma grande variabilidade de ações motoras próprias da sua posição. Devem-se
corrigir os vícios de execução.
Na fase final de formação, devem-se enfatizar todas as
qualidades do jogador (dimensão tática, técnica, física e psicológica), e na
fase de formação especial, continuar a evoluir.
Martone (1997), evidencia também grande preocupação
com as idades mais tenras. Ele defende que o desenvolvimento da reação, da
capacidade de orientação espaço-temporal e da diferenciação devem ser
estimuladas desde cedo.
Nas crianças de 8 anos a capacidade de tratamento da
informação é menos de metade de um de 12 anos e praticamente até aos 10 anos,
eles não são capazes de inibir a elaboração de informação relevante e não
resistem a potenciais estímulos de distração, dividindo a atenção pelo que é
essencial e pelo que não é. Para além disso, um guarda-redes de 8 anos, tem
várias dificuldades em lidar com a pressão de ter um adversário para lhe tirar
a bola após um atraso, devido à falta de controlo motor e de ler rapidamente o
que se passa, agindo em conformidade. Daí que, Tamarit (2007) refira a
importância da repetição sistémica, fazendo aparecer uma grande percentagem
dos comportamentos que queremos que sejam realizados pelos jogadores. Para
isso, devemos condicionar o exercício, para que surja rapidamente o
comportamento pretendido (Tamarit, 2007). Dessa forma, será possível a criação
de hábitos que são processos subconscientes que permitem a decisão e a reação
rápida (McCrone 2002).
Tamarit (2007) esclarece: "quando o cérebro
encontra situações (no jogo) semelhantes às que experenciou (no treino)
anteriormente (e com que foram incorporadas como automatismos), reage perante
certos estímulos já conhecidos de forma inconsciente, permitindo reduzir o
tempo de descodificação das informações existentes". Dessa forma, o timing
decisional pode ser reduzido de 500 a 200 milésimas de segundo, devido aos
atalhos neuronais que são criados (Jensen, 2002)
Martone
(1997) reconhece também a importância da decisão e refere que a aprendizagem do
guarda-redes dá-se não em situações em que a resposta lhe esteja a ser dada
sistematicamente, mas sim em situações de jogo, onde ele encontre as suas
próprias respostas aos problemas. No entanto, na sua opinião, nas idades mais
baixas, a intervenção do treinador deverá ser a mais indireta possível, ou
seja, apenas para a modificação do exercício em termos das condicionantes e não
durante o exercício em si. Apenas a partir dos 12 anos é que será de outra
forma, pois entre os 7 e os 12 anos há um aperfeiçoamento da capacidade
coordenativa e cognitiva, favorecendo a aprendizagem de condutas específicas
sob condições de grande variabilidade.
Vigil (2008) apresenta
também a sua proposta de ensino dos conteúdos de treino do guarda-redes de
Futebol desde os 10 anos até aos 16 anos.
Escalão/Idade
|
Dimensão
Técnica
|
Dimensão
Tática
|
Dimensão
Física
|
Dimensão
Psicológica
|
10 anos
|
Entender
a posição específica; Dominar a bola; saber rodar, distribuir, passar e
lançar a bola
|
Conhecimento
das regras básicas
|
Adaptação
ao jogo; manter equilíbrio e coordenação; aquecimento e recuperação básicas
|
A
criança deve divertir-se e ter prazer; o treino deve ser simples
|
11/12 anos
|
Posição
base; Controlo e distribuição da bola com as mãos e pés; saber reagir a
cruzamentos; saber realizar passes curtos e resolver 1x1
|
Entender
o papel do guarda-redes com respeito aos princípios básicos; inteirar-se das
posições e papéis dos restantes jogadores
|
Equilíbrio,
coordenação e ritmo; conhecer os gestos específicos do guarda-redes;
Flexibilidade e mobilidade; aquecimento e recuperações básicas
|
Progressão
de técnica simples e estabelecer os níveis/as normas: realizar trabalho em
grupos
|
13/14 anos
|
Maneiras
de defender remates agarrando ou desviando a bola; reduzir ângulos; saber
movimentar-se para não sofrer golos; exercícios para melhorar a reação e que
os façam decidir; distribuição da bola com a mão e com os pés e pontapés de
baliza; importância do apoio e disponibilidade; saber como controlar e passar
a bola com ambos os pés; saber jogar 1x1
|
Conhecer
o jogo de futebol e as regras do jogo; entender situações relacionadas com o
11x11; ter a capacidade de comunicar com os companheiros
|
Manter
equilíbrio, coordenação; conhecer gestos específicos para os guarda-redes;
exercícios de flexibilidade e mobilidade; aquecimento e recuperação
|
Bom
conhecimento da pequena e da grande área; Preparação do treino e do jogo de
futebol; saber aceitar a avaliação, os elogios e a crítica
|
Para Capuano
(2002) existem quatro pontos importantes para a formação do jovem
guarda-redes:
1. Promover
situações de jogo, pois estas contêm vários tempos para decidir (umas vezes
mais, outras vezes menos), os adversários, os colegas, referencias temporais e
espaciais e tudo isto ajuda imenso o guarda-redes a decidir nas mais variadas
situações.
2.
Desenvolvimento do pensamento tático, visto este ser um suporte essencial para
a formação da antecipação motora complexa. Antecipar é intuir comportamentos e
nesse sentido, influencia a própria coordenação motora do jovem
guarda-redes.
3. Treino
ideológico-motor, porque apesar das crianças ainda não terem esta capacidade, a
partir de determinadas idades (12,13 anos) este tipo de treino permite uma
exercitação mental que associada aos aspetos motores, desenvolvem o controlo
motor determinado pela via cinestésica. Dá ao guarda-redes a capacidade de
pensar inversamente.
4.
Treino específico que compreende a execução de várias ações técnicas, sob
várias condições, levando à aquisição dos comportamentos típicos do
guarda-redes - Englobam também as ações táticas específicas do posto.
Silvestre
(2008), apresenta também uma proposta para o treino de guarda-redes por
escalões:
Benjamins
|
Grande ênfase nos
aspetos técnicos, com grande papel da instrução e do feedback (importante o
cinestésico) do treinador. Complexidade reduzida e muitas repetições.
|
Infantis
|
Continuação do ênfase
nos aspetos técnicos e uma importância cada vez maior da componente tática.
|
Iniciados
|
Dimensão técnica (50%)
continua com maior importância; Dimensão tática (30%); Dimensão física (15%);
Dimensão psicológica (5%)
|
Método de Hoek, 2006:
Fase 1 –
Controlar a Bola
|
Técnica/habilidades;
programas de desenvolvimento da técnica; dominar a bola; criar as bases para
jogar contra o adversário; sempre com a baliza (de vários tamanhos) para
defender e atacar
|
Fase 2 –
Jogando Juntos
|
Desenvolver a
perspicácia, a compreensão e a comunicação; com os colegas de equipa e contra
o adversário – desenvolver interações; do 2x1 ao 8x8; sempre com a baliza (de
vários tamanhos) para defender e atacar.
|
Fase 3 –
Jogando juntos com sistemas
|
Desenvolver a
perspicácia, a compreensão e a comunicação; Jogar em diferentes sistemas:
1-4-3-3/1-4-4-2/ 1-3-5-2; saber experimentar as tarefas e responsabilidades
existentes na operacionalização dos sistemas; saber os pontos fortes e fracos
de cada sistema; saber jogar contra outros sistemas que não o nosso
|
Vou
debruçar-me então mais sobre os escalões de base. Segundo os vários autores,
deve dar-se maior ênfase à dimensão técnica. Porém, também devem ser promovidas
situações de jogo. O ensino deverá ser realizado de forma mais contextualizada
possível, através de jogos condicionados, para que o nosso pequeno guarda-redes
possa repetir o maior número de vezes possível os vários gestos técnicos. Apresento em seguida os diversos gestos técnicos do guarda-redes e as suas componentes críticas.
Posição
base
|
Cabeça deve
encontrar-se erguida de forma a acompanhar a bola com o olhar, o tronco
ligeiramente inclinado à frente, braços ligeiramente fletidos e à frente com
as mãos à altura dos joelhos, pernas semifletidas e afastadas formando uma
boa base de sustentação, os pés podem assumir duas posições: a) com toda a
superfície plantar em contacto com o solo; b) apenas a parte anterior
contacta com o solo (Ocaña, 1997)
|
|
Receção
alta
|
Realizada
acima da linha dos ombros, sempre à frente ou sobre o eixo longitudinal
corporal, e com os braços estendidos. Esta ação técnica pode ser executada em
salto ou em apoio e sempre com os polegares juntos (mãos em forma de concha)
|
|
Receção
média
|
Realizada
entre a linha dos ombros e a linha da cintura, as mãos situam-se no plano
frontal para que o corpo constitua uma segunda barreira entre a bola e a
baliza.
|
|
Receção
baixa
|
Realizada
entre a linha da cintura e solo, com um joelho fletido e apoiado no chão, o
tronco fletido à frente e com os braços estendidos (procura juntar os
antebraços).
|
|
Receção
em queda
|
Realizada,
com qualquer superfície corporal em contacto com o solo (queda lateral) à
exceção dos apoios plantares. Com os braços estendidos, flexão e abdução da
perna que entra em contacto com o solo e dedos das mãos afastados. Para maior
segurança, no final da ação técnica, levar a bola ao peito pressionando-a com
os braços, antebraços e mãos. As mãos não devem estar sobrepostas.
|
|
Receção
com encaixe
|
Reduz
rapidamente a velocidade da bola através do contacto com desta contra o peito
e simultânea pressão realizada pelos antebraços e mãos contra o seu próprio
corpo
|
|
|
||
Desvios
|
São ações técnicas que consistem em
modificar a trajetória e/ou sentido da bola, dando-lhe uma direção
determinada com propósito defensivo. Os desvios podem ser classificados de
acordo com a superfície de contacto com a bola, deste modo temos:
Desvio com a mão – realiza-se quando a bola descreve
uma trajetória área, o contacto com a bola é precedido de um deslocamento
frontal e nunca deve ser efetuado em apoio. Esta ação deve ser utilizada
quando a receção da bola seja inadequada ou quando a sua posse não seja
garantida.
Desvios com o pé
|
|
Saídas
|
quando o guarda-redes sai da sua
área de proteção no sentido de intervir sobre a bola. A execução técnica da
saída divide-se em dois momentos distintos:
a)
O
deslocamento
b)
A
intervenção sobre a bola. A bola encontra-se na posse do adversário que a
conduz na direção da baliza. Na ação de condução de bola, diferencia-se dois
momentos:
1) Um em que a bola se encontra fora do
controlo motor do atacante
2) Outro em que o jogador está em
contacto com a bola
No primeiro momento o guarda-redes
deve intervir sobre a bola de forma rápida e decidida
|
|
Reposição
|
Reposição
com o pé – é
fundamental que o guarda-redes realize em simultâneo um deslocamento frontal
e uma extensão completa do braço que lança a bola para o pé.
Reposição com a mão – É importante que o guarda-redes
consiga estender o braço no momento do lançamento e que tenha uma excelente
relação com a bola para que consiga dominá-la a uma só mão num movimento
dinâmico.
|
|
Pontapé
de baliza
|
com passe curto ou
passe longo. Passe com o pé que pode ser curto quando a bola está controlada
e se pretende jogar para perto ou então longo através de passe em vólei
lateral ou frontal
|
|
Por fim, apresento a opinião
de dois entendidos,
Wil Coort: "até aos
escalões de infantis, a preocupação principal é o desenvolvimento da técnica do
guarda-redes com a introdução gradual dos aspetos táticos, sobretudo em termos
de posicionameto. No escalão de iniciados, os exercícios técnicos aumentam de
complexidade e as questões táticas ganham mais peso."
Ricardo Peres: "nos
escalões de Escolas e Infantis a capacidade de manipular a bola e a vivenciação
do maior número de técnicas com exigências adaptadas à idade são aspetos muito
importantes. Em termos táticos, a seleção da informação a ser passada terá de
ser muito bem filtrada dadas as limitações em termos de compreensão das
crianças."; "Se nos escalões mais jovens começamos por abordar a
técnica e a tática de uma forma não tão complexa, fazendo as progressões que se
exigem para uma aprendizagem tática e técnica, o psicológico também é
fundamental abordarmos desde novos"
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