... o "ensinar" e o "ajudar a aprender" o jogo!
Artigo de opinião de Raúl Oliveira
- O treino dos jovens jogadores deverá ser mais do que uma simples cópia dos programas de treino aplicados a jogadores profissionais, os objetivos terão que ser obviamente diferenciados.
As conceções de futebol e de treino são tão variadas quanto o número de treinadores e jogadores que existem. Na minha opinião, nenhuma é certa ou errada, simplesmente, podem ser bem ou mal aplicadas ao contexto em que se inserem.
- O treinador será tanto melhor quanto mais ajudar o jovem na sua formação, mas até mais decisivo do que isso será, na verdade, não ser um obstáculo ao seu desenvolvimento.
Formar é diferente de formatar
Será que "as crianças de 10 anos são iguais em qualquer parte do Mundo"?
A resposta é evidente: "Não!". O meio/contexto social tem grande influência.
Ninguém nasce a querer ser futebolista... Isto é um processo que pode ser mantido/incutido ou não pelas pessoas/sociedade envolvente.
São necessários programas específicos adaptados a cada realidade
- A cópia de modelos formativos de sucesso de "outros mundos" resulta normalmente em tentativas frustrantes que terminam em fracasso
mas, independentemente destas condicionantes próprias, é possível pensar e refletir acerca da aplicação metodológica no processo de aprendizagem em futebol.
Periodização Tática
Erradamente associado a treino de complexidade nociva para jovens, castradora do seu desenvolvimento técnico e da sua liberdade criativa. A verdadeira essência desta metodologia relaciona-se com a simples capacidade de pensar, sem pensamentos não há real desafio e sem desafio a evolução está limitada.
Treino da Tática vs Treino Tático
A tática entendida como uma organização estrutural e dinâmica dos jogadores durante um jogo de futebol tem o seu treino, muitas vezes, associado a situações estereotipadas de movimentos individuais, setoriais e coletivos que resultam em última instância na construção de uma circulação tática ou situação estratégica do jogo.
Treinar este tipo de tática é, regularmente considerado um erro para as etapas primárias do processo de formação dos jogadores. Apesar disto, a insistência no uso de futebol 11 desde os escalões mais baixos leva a que isto aconteça com alguma frequência e seja encorajado pois tenta-se aproximar o jogo das crianças ao jogo dos adultos...
O treino da tática acelera a obtenção de resultados e melhora a organização de jogo, mas assim aplicado, prinicipalmente nos escalões mais baixos, este é um substituto indesejado para os conteúdos essenciais do treino. É com este tipo de ideia que existe alguma resistência à introdução da periodização tática nos escalões de base do futebol.
Experiências anteriores levam muitos a associar esta metodologia a um treino exaustivo de táticas complexas, a situações fixas e/ou condicionadas, a rigidez de movimentações, a falta de criatividade e espontaneidade. São preocupações legítimas pois a observação de vários treinos de equipas de topo do futebol profissional levam a conceber o trabalho tático como um treino mais parado com tarefas pré-definidas e missões muito específicas e como a tentação da cópia destes modelos, é sempre apelativa para alguns, este fenómeno poderia ser limitador para a evolução do jogador.
O que é afinal um treino tático de acordo com os princípios de base da periodização tática?
Um bom treino tático não deixa de ter objetivos e aprendizagens técnicas, físicas e psicológicas, muito pelo contrário, tenta integrá-las. Cada exercício tem um impacto específico perfeitamente assimilável pelo jovem que não deve ser visto como apenas um recetor de informação.
- A redução dos exercícios ao domínio de uma única dimensão do jogo (qualquer que seja) ou a tentativa de somar aprendizagens desfasadas e desintegradas da realidade do jogo, não são princípios reconhecíveis da periodização tática.
"O treino da tática" em muito pouco se assemelha com a ideia de um "treino tático". Este tipo de treino assenta num pressuposto fundamental: a capacidade de pensar o jogo, de atuar sobre tomadas de decisão específicas da modalidade e mais concretamente, do "nosso futebol".
A conceção de um treino orientado em função de objetivos táticos traz motivação, criatividade, desafio e competitividade. Não serão estes ingredientes fundamentais no treino de jovens?
- A capacidade de associar dimensões de jogo em exercícios simples que promovam não só a aprendizagem parcial de "partes de jogo" mas sim que o façam de uma forma integrada não desfasada da natureza fundamental do jogo é uma competência essencial que separa os treinadores melhores dos treinadores menos preparados.
Se acreditarmos que o futebol é um jogo em que a correta tomada de decisão é tanto, ou até mais, decisiva que o simples domínio de gestos técnicos, capacidades e skills motores então quando será que devemos introduzir esta vertente na planificação do treino?
Um bom treino tático nem precisa de estar, obrigatoriamente conetado a um sistema tático, a uma combinação tática complexa ou a um modelo de jogo (nomeadamente nos escalões mais baixos). O fundamental é respeitar um princípio de jogo, uma referência que sirva para nortear as ações individuais e/ou coletivas dos jogadores, no fundo, colocar os jogadores numa situação em que tenham que fazer escolhas/opções respeitando a essência do futebol que pretendemos "criar e desenvolver" um conjunto com os nossos jogadores.
- Nem todos os treinadores estão devidamente preparados para um tipo de treino com a complexidade inerente ao controlo de várias dimensões do jogo. Por vezes a separação das dimensões facilita o trabalho do treinador, no entanto, estes exercícios são claramente menos estimulantes para o jogador.
Mas afinal quem disse que ser bom treinador é fácil?
- Nunca negligenciar as dimensões técnica, física, psicológica, social, lúdica...
Todas elas são importantes no treino de jovens, a ideia será moldá-las sob "coordenação" de um princípio de jogo e necessariamente dentro de um contexto estimulante e pedagógico (o exercício de treino).
- Ter um plano para a integração progressiva de conteúdo e objetivos não queimando etapas de formação e potenciando ao máximo o desenvolvimento de cada jogador a curto, médio e sobretudo, a longo prazo.
Da mesma forma que a complexidade excessiva dificulta a aprendizagem, a falta dela cria desmotivação e estagnação.
- Seguir uma linha clara de desenvolvimento individual e coletivo dos jogadores e equipa, estimulando o individual num ambiente de conforto e suporte coletivo. A coerência na aplicação de exercícios de treino com objetivos complementares e evolutivos terá efeitos na facilitação da aprendizagem do jogador. A inteligência com que o treino é construído/reconstruído/adaptado/anulado se necessário, é a diferença fundamental entre treinar bem e menos bem, nem sempre o que é bom no papel resulta no campo.
Admitindo o uso de exercícios descontextualizados e com formas separadas, estes devem ser uma percentagem reduzida do tempo total de treino e sempre como um complemento para introduzir ou reforçar conteúdos. O núcleo central do treino tem que desenvolver o inteleto colocando-o a funcionar...
O "Ensinar" vs O "ajudar a aprender"
- Uma das funções primárias do treinador de futebol será promover a autonomia e auto-regulação de jogadores e equipas. A busca de soluções não pode estar dependente das indicações permanentes do treinador pois no futebol atual a velocidade de decisão e execução faz toda a diferença, nomeadamente, se pretendermos chegar a um alto nível desportivo.
- Uma equipa capaz de autonomamente se adaptar às condicionantes, capaz de reagir a adversidades do jogo e, acima de tudo, capacidade de potenciar jogadores "pensantes", criativos e inovadores terão sempre que ser objetivos do processo de treino.
- Nas etapas mais baixas o fundamental é não criar vícios, não especializar erradamente, não criar obstáculos para o futuro... Por alguma razão todos reclamam o "futebol de rua" como essencial e algo que faz cada vez mais falta.
- Dar respostas ajuda no rendimento imediato mas dar pistas influencia na busca de soluções a médio e longo prazo. As respostas são muito mais duradouras quando são vivenciadas e obtidas pelo próprio. Dar um peixe matará a fome por um dia, mas ensinar a pescar matará a fome para a vida, mesmo que custe um pouco mais... No fundo, uma Descoberta Guiada!
Aprende-se melhor quando o aluno está ativo durante todo o processo de ensino. A descoberta encoraja os jogadores a colocar questões, formular hipóteses e realizar experiências.
É importante ter a noção de que a aprendizagem por descoberta pura
não funciona, cria o caus e a anarquia, a aprendizagem é feita pela
descoberta mas uma descoberta guiada sendo este o melhor método de
promoção de aprendizagens em ambientes construtivistas.
O desafio
de ensinar por descoberta guiada é saber quanto e que tipo de
orientação dar e disponibilizar e ainda saber qual ou quais os
resultados desejados. A orientação por parte do treinador é necessária
para manter o foco da atenção nas competências a adquirir. Na
aprendizagem pela descoberta guiada ganham importância a orientação, a
estrutura e os objetivos a atingir.
A adoção deste método de ensino obriga à participação ativa do jogador no próprio processo de aprendizagem. Assim sendo o treinador deve:
- adequar o volume de conteúdos às capacidades dos jogadores
- estruturar os conteúdos de modo a facilitar a sua interiorização
- trabalhar os conteúdos em espiral, ou seja, devem ser trabalhados periodicamente com cada vez mais profundidade, para que os alunos modifiquem continuamente as representações mentais que vão construindo.
- Construir e dirigir exercícios que permitam tomadas de decisão diferenciadas, evitar facilitismo, tornando os exercícios em "desafios" para os jogadores, responder a perguntas com mais perguntas, parar o treino e colocar o jogador a analisar e avaliar as suas opções no momento, exigir sempre mais mas ser compreensivo com a falha, dar pistas para a solução de problemas e criar condicionantes indutoras nos exercícios são algumas das estratégias que podemos e devemos utilizar!
O jogador de mais alto nível é aquele que consegue em situação de jogo, no meio das 3 opções que toda a gente identifica, escolher a opção número 4 e fazer com que ela resulte melhor que todas as outras... será que o jovem irá desenvolver esta capacidade se tiver o treinador constantemente a tentar "ensinar-lhe" a fazer "isto aqui" e "aquilo ali"?...
Então, mas se os jogadores devem decidir por si, qual o papel do treinador?
Parece-me claro que o jogador (fundamentalmente com bola), possam decidir em função do seu próprio entendimento do jogo mas isto não invalida que o treinador o possa "moldar" e subconscientemente o induza a tomar um certo tipo de opções.
Por que motivo os exercícios devem ser realizados em função de princípios de jogo e devem ter uma iminente compreensão e contexto tático?
No fundo é colocar o jogador na direção certa, dar as indicações certas mas deixar que seja ele a descobrir o caminho que mais lhe agrada e beneficia, o treinador tem a obrigação de não o deixar passar para o lado errado da estrada!
- Criar o ambiente potenciador (exercício específico), dar instruções e objetivos, reforçar os princípios de jogo inerentes ao exercício, abrir um espaço para tentativa-erro, ir dando algumas ideias que possam ajudar na resolução dos problemas levantados, promover a discussão entre os jogadores acerca de estratégias para superar dificuldades, dar hipóteses (opções) de jogo se necessário e apenas em último caso, na eventualidade de nada resultar, dar as nossas soluções para a resolução de um determinado problema/situação de jogo.
- Cabe ao treinador preparar o "terreno", criar as condições ótimas de experimentação e orienta o jogador no sentido de ele vivenciar os problemas, as dúvidas e consequentemente encontrar as respostas desejadas. O treinador tem o papel fundamental de "ajudar a aprender", tirar dúvidas, colocar questões, reforçar estímulos, no fundo indicar o caminho certo... a longa e difícil caminhada até ao destino o treinador não pode fazer, essa só mesmo o jogador pode, mas quem lá chega vai com certeza, bem preparado...
Resumindo,
O treinador tem que ser astuto e inteligente o suficiente para que os seus jogadores busquem soluções para novos problemas num ambiente lúdico e motivador.
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